Num mundo cada vez mais ligado, o espaço digital transforma-se também num palco de hostilidade. Um recente estudo internacional alerta para o grau alarmante de ataques no X (antigo Twitter) contra mulheres com funções públicas em Portugal, revelando padrões que desafiam não só a ética cívica como também os limites da inovação digital e da responsabilidade das plataformas.
O que revelou o estudo
O levantamento monitorizou 43 perfis de mulheres portuguesas com presença pública frequente durante setembro de 2024. Foram analisadas quase 600 mil interações no X, para identificar conteúdos agressivos e violentos.
Cerca de 20,4 % dessas interações continham ataques. Ou seja, uma em cada cinco mensagens dirigidas a estas mulheres era violenta, ofensiva ou hostil.
Categorias de ataque: o que mais prevalece
Para efeito de análise, foram definidas cinco categorias de violência digital:
- Ameaças diretas
- Subestimação das capacidades (estereótipos de género, desqualificação profissional)
- Comentários sobre corpo e sexualidade
- Ataques baseados na identidade (sexo/género)
- Ataques ligados à filiação política
Em Portugal, os ataques mais comuns foram aqueles que minimizam ou questionam a idoneidade das mulheres para exercer funções públicas ou participar com voz ativa na vida política. Aproximadamente 60 % das interações violentas envolveram subestimação ou questionamento da capacidade; cerca de 41 % atacaram a filiação política ou o envolvimento cívico.
Comparação internacional
O estudo inclui dados de oito países ibero-americanos ou de língua espanhola/portuguesa: México, Bolívia, Uruguai, Espanha, Panamá, Andorra e República Dominicana. Portugal aparece num lugar intermédio: 20,4 % das interações são violentas, abaixo de México e Bolívia, mas bem acima de Andorra ou da República Dominicana.
Responsáveis por promover mudança
Identificaram-se 5 340 contas violentas das 13 704 que interagiram com os perfis estudados. Curiosamente, 10 % dessas contas foram responsáveis por 30 % das mensagens violentas, mostrando que uma minoria ativa causa uma parcela desproporcional do problema.
Carina Quaresma, presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, considera estes números “uma ponta do icebergue”, dado o curto período de análise e o alcance limitado ao X. As implicações são sérias: exigem ação não só legal, mas educativa e tecnológica.
Implicações para tecnologia, plataformas & políticas públicas
Para profissionais de tecnologia, inovação e entidades reguladoras, este estudo lança vários desafios:
- Moderação de conteúdos: como detetar e filtrar discursos de ódio ou ataques políticos-ideológicos de género de forma eficiente e escalável?
- Educação digital: capacitar utilizadores para identificar abuso e discursos tóxicos.
- Regulação & responsabilização: leis, códigos de conduta e políticas que obriguem plataformas a responder de forma eficaz.
- Transparência de algoritmos: compreender se os algoritmos promovem ou amplificam conteúdos agressivos e quais métricas podem medir o impacto do discurso de ódio.
A realidade é clara: a violência digital dirigida a mulheres em funções públicas em Portugal é um problema significativo, com implicações que ultrapassam o pessoal e afetam a confiança cívica, a participação democrática e até a inovação no espaço público digital. Não basta observar — é necessário agir.
Fonte: Observador