As grandes empresas tecnológicas têm feito promessas ambiciosas no que toca à sustentabilidade. Compromissos com metas de neutralidade carbónica entre 2025 e 2040 marcaram a última década. Mas há uma nova variável em jogo: a Inteligência Artificial. Com a explosão de ferramentas baseadas em IA, cresce também o consumo energético - e com ele, as emissões de carbono. Estaremos perante um ponto de rutura entre inovação tecnológica e responsabilidade ambiental?
As promessas ambientais das Big Techs
Nos últimos anos, empresas como Apple, Google, Microsoft, Meta e Amazon anunciaram planos para se tornarem neutras em carbono. Estas metas, à primeira vista impressionantes, visavam reduzir ou compensar emissões diretas e indiretas ao longo da cadeia de valor.
Contudo, esses compromissos foram feitos antes da revolução da IA generativa, que trouxe consigo uma nova e intensa procura por poder computacional. Com cada nova aplicação de IA, o peso energético aumenta - o que coloca em causa a viabilidade desses planos ambientais.
IA e consumo energético: o novo desafio
A formação e operação de modelos de IA exigem infraestruturas robustas - os chamados data centers - que consomem grandes quantidades de energia. Estes centros processam e armazenam dados em escala massiva, mantendo servidores em funcionamento contínuo e com necessidade de sistemas de arrefecimento altamente exigentes.
Como consequência, as emissões associadas à eletricidade dispararam nos últimos anos. Mesmo com investimento crescente em energia de fontes renováveis, o aumento da procura energética tende a anular os ganhos obtidos. Em vez de reduzir, muitas empresas viram as suas emissões aumentarem consideravelmente.
O crescimento invisível das emissões indiretas
Um dos principais pontos de crítica às estratégias climáticas atuais é a subvalorização das chamadas “emissões indiretas” - aquelas que ocorrem fora das operações diretas da empresa, como por exemplo:
- Subcontratação de data centers externos;
- Produção e transporte de hardware;
- Atividades na cadeia de fornecimento.
Estas emissões representam, em muitos casos, a maior parte da pegada de carbono. No entanto, continuam a ser contabilizadas de forma parcial ou, por vezes, ignoradas. Com a crescente dependência de parceiros externos para manter as operações de IA, este problema tende a agravar-se.
Classificações climáticas em risco
Com base em critérios de transparência, robustez das metas e abrangência na contabilização de emissões, várias empresas tecnológicas enfrentam hoje classificações pouco favoráveis nas suas estratégias climáticas. Algumas são criticadas por manter planos vagos ou por recorrerem excessivamente a compensações de carbono em vez de focarem na redução real das emissões.
Mesmo aquelas que mantêm alguma coerência nos seus relatórios de sustentabilidade estão a ser pressionadas a adaptar as suas métricas ao novo contexto energético dominado pela IA.
O ciclo de vida dos equipamentos também conta
Outro ponto frequentemente negligenciado é o impacto ambiental do hardware necessário para treinar e operar IA. A produção de chips, servidores e equipamentos especializados exige recursos naturais e processos industriais poluentes. Muitos destes dispositivos têm ciclos de vida curtos, contribuindo para um aumento de resíduos eletrónicos e consumo de matérias-primas.
Prolongar o tempo de vida útil dos equipamentos, fomentar a reutilização e investir na reciclagem pode ser uma das formas mais eficazes de reduzir a pegada ambiental da IA.
Porque é que as contas estão mal feitas
As metodologias atuais de contagem de emissões foram concebidas antes da explosão da IA. Isto significa que muitos relatórios e métricas ambientais não conseguem captar o verdadeiro impacto da nova geração de tecnologias.
Além disso, muitas empresas só contabilizam as emissões “controladas diretamente” (emissões de Escopo 1 e 2), deixando de fora grande parte das emissões da cadeia de valor (Escopo 3). A falta de padrões unificados agrava o problema, permitindo que cada empresa defina os seus próprios critérios, o que dificulta a comparação e compromete a credibilidade das metas ambientais.
O que pode ser feito para mudar este cenário?
Apesar dos desafios, há caminhos possíveis para uma transição mais sustentável, mesmo com o crescimento da IA:
1. Adotar energia limpa ao longo de toda a cadeia
É essencial que não só a empresa, mas também os seus parceiros e fornecedores utilizem fontes de energia renovável. A neutralidade não pode ser apenas um esforço interno - deve abranger todo o ecossistema tecnológico.
2. Aumentar a transparência
Relatórios ambientais devem incluir dados detalhados sobre consumo de energia, emissões totais e progresso em relação às metas. A transparência é o primeiro passo para a responsabilização.
3. Redefinir o design dos sistemas
Reduzir o consumo energético por tarefa computacional é uma prioridade. Modelos mais eficientes, processos otimizados e reutilização de recursos devem ser incentivados no desenvolvimento de novas soluções em IA.
4. Estabelecer normas robustas e verificáveis
A adoção de padrões internacionais como a ISO/IEC 42001 pode trazer consistência e confiabilidade aos compromissos climáticos das tecnológicas. Além disso, é urgente combater o greenwashing e garantir que as empresas não se escondem atrás de metas simbólicas.
Oportunidades para profissionais e empresas
Este momento de viragem representa também uma janela de oportunidade para quem trabalha com tecnologia, inovação e sustentabilidade. Desde o desenvolvimento de software mais eficiente até ao design de data centers inteligentes, há espaço para novas soluções e novos negócios.
Empresas que conseguirem equilibrar inovação com impacto ambiental positivo terão uma vantagem competitiva. Já os profissionais atentos a esta transição estarão melhor preparados para liderar a próxima fase da transformação digital - uma que respeita os limites do planeta.
A corrida pela liderança em Inteligência Artificial está a acelerar, mas poderá vir a um custo elevado se ignorarmos o impacto ambiental. As promessas de neutralidade carbónica feitas pelas gigantes tecnológicas só serão cumpridas se forem adaptadas à nova realidade energética.
É hora de atualizar os planos, repensar as metodologias e envolver toda a cadeia de valor neste compromisso climático. O futuro tecnológico tem de ser, obrigatoriamente, também sustentável.
Fonte: Notícias ao Minuto