Uma investigação recente revelou uma realidade preocupante em Espanha: cerca de 97 % dos adolescentes foram vítimas de algum tipo de violência sexual online. Este fenómeno, muitas vezes silencioso e invisível, começa em média por volta dos 13 anos de idade e está a crescer com a digitalização precoce das interações sociais.
Num contexto em que os jovens têm acesso à Internet cada vez mais cedo – por volta dos 7 anos – e onde mais de 95 % dos menores entre os 10 e os 15 anos estão ativos em redes sociais, o risco de exposição a comportamentos abusivos aumentou drasticamente.
Quem são os alvos e como agem os predadores?
A violência sexual online manifesta-se principalmente sob a forma de aliciamento digital (grooming), onde o agressor finge criar uma relação de proximidade e confiança com a vítima com intenções abusivas. Este processo pode envolver troca de mensagens explícitas, pressão para envio de imagens íntimas ou até manipulação emocional.
As vítimas incluem raparigas e rapazes em proporções semelhantes no caso de aliciamento online. No entanto, quando há abuso sexual físico associado, a maioria das vítimas é do sexo feminino. Em muitos dos casos, os agressores são desconhecidos pelas vítimas e não têm antecedentes criminais, o que dificulta a sua identificação e prevenção de novos crimes.
Impactos reais e uma tendência em crescimento
Os dados apontam para centenas de denúncias anuais relacionadas com crimes sexuais cometidos contra menores através da Internet. Além disso, a maioria das queixas envolve situações de aliciamento sexual, produção de conteúdos sexuais com menores e abuso físico após contacto online.
Esta é uma tendência que acompanha o crescimento do tempo de ecrã entre os jovens e o uso de plataformas digitais para socialização. O problema é agravado pela rapidez com que os predadores conseguem estabelecer contacto com vítimas através de redes sociais, plataformas de jogos ou aplicações de mensagens instantâneas.
Sistema judicial: demasiado lento para acompanhar a realidade digital
Um dos maiores desafios neste cenário é a morosidade dos processos judiciais. Muitos casos podem levar dois a três anos a serem resolvidos, o que prolonga o sofrimento das vítimas e dificulta a responsabilização dos agressores.
Especialistas alertam para a necessidade urgente de reformular o sistema de justiça neste tipo de crimes, através da criação de tribunais especializados, procuradorias dedicadas à proteção de menores e apoio jurídico contínuo para as vítimas desde o momento da queixa até à resolução do processo.
Entre as propostas mais inovadoras está a adoção do modelo Barnahus – centros integrados onde as crianças podem receber apoio médico, psicológico e jurídico num só local, minimizando a exposição a revitimização.
A tecnologia tem (mesmo) um papel fundamental
Num mundo cada vez mais digital, é urgente repensar o papel da tecnologia na proteção dos menores. As plataformas online devem implementar mecanismos mais robustos de deteção e prevenção de abusos, como:
- Sistemas inteligentes de monitorização de mensagens e partilhas;
- Alertas automáticos para comportamentos suspeitos;
- Moderação de conteúdos com apoio de inteligência artificial;
- Ferramentas de denúncia simples e eficazes para menores e cuidadores.
Ao mesmo tempo, é necessário garantir que estas soluções respeitam os direitos fundamentais dos utilizadores, incluindo a privacidade e a proteção de dados.
E a educação? Também é uma ferramenta tecnológica
A par das medidas tecnológicas, a sensibilização desempenha um papel crucial. É fundamental introduzir programas de literacia digital e educação sexual desde o ensino básico, capacitando crianças, jovens, pais e educadores a identificar comportamentos abusivos e a agir atempadamente.
A educação digital não deve ser apenas uma competência técnica, mas também uma ferramenta ética e preventiva. Saber como navegar em segurança, reconhecer manipulações emocionais e proteger a identidade online são hoje competências tão importantes como saber ler ou escrever.
O papel da comunidade tecnológica e das empresas digitais
Para os profissionais da área da tecnologia e inovação, esta realidade impõe uma responsabilidade ética e prática. É preciso incorporar a segurança infantil nas fases de planeamento, design e desenvolvimento de produtos digitais. O conceito de privacy-by-design deve ser acompanhado por uma lógica de safety-by-design.
Empresas tecnológicas, plataformas sociais e startups têm a oportunidade – e o dever – de liderar pelo exemplo, investindo em soluções de proteção infantil, colaborando com entidades judiciais e educativas, e assumindo uma postura proativa na luta contra o abuso online.
O que está por fazer?
Apesar dos avanços em alguns países, a verdade é que estamos longe de um cenário seguro para crianças e adolescentes no mundo digital. Eis algumas prioridades para os próximos anos:
- Legislação robusta e adaptada ao contexto digital;
- Plataformas responsáveis com mecanismos de segurança automatizados e transparentes;
- Colaboração entre governos, indústria tecnológica e organizações de proteção de menores;
- Educação digital acessível e contínua para jovens e famílias;
- Respostas judiciais rápidas e humanizadas às vítimas.
A violência sexual online contra menores é um problema crescente e urgente, que exige resposta firme por parte de todos os intervenientes no ecossistema digital. Em Espanha, a gravidade da situação é um sinal de alarme que deve ecoar além-fronteiras.
Proteger os mais jovens passa por inovar com responsabilidade, educar com visão e legislar com firmeza. O futuro digital precisa de ser seguro para todos – especialmente para quem mais confia nele.
Fonte: ZAP