A campanha Stop Killing Games ultrapassou recentemente a marca de 1 milhão de assinaturas na sua petição submetida à Iniciativa de Cidadãos Europeus (ICE). Este movimento está a ganhar força em toda a Europa e pretende garantir que os consumidores possam continuar a aceder aos jogos digitais que compraram, mesmo depois de os estúdios desligarem os servidores ou deixarem de os suportar oficialmente.
O que está em causa?
O movimento surgiu como resposta ao encerramento definitivo de jogos como The Crew, da Ubisoft. Apesar de ter sido vendido como um produto com funcionalidades online e offline, o jogo tornou-se totalmente injogável após o encerramento dos servidores, mesmo no modo single-player. Esta prática levantou sérias questões sobre os direitos dos consumidores no que diz respeito à posse de jogos digitais.
Para muitos jogadores, comprar um jogo digital significa adquirir um produto com direito de usufruto permanente. No entanto, na realidade, trata-se muitas vezes de uma licença de uso que pode ser retirada ou tornar-se inútil caso os servidores sejam desligados. É contra essa realidade que o movimento Stop Killing Games se insurge.
Um milhão de vozes unidas
Atingir 1 milhão de assinaturas é um passo importante, mas o movimento sabe que nem todas serão consideradas válidas. Algumas podem ter origem fora da União Europeia, outras podem estar duplicadas ou não cumprir os critérios exigidos pela ICE. Por isso, o objetivo é alcançar pelo menos 1,4 milhões de assinaturas antes do prazo-limite, no final de julho, de forma a garantir que o número mínimo de assinaturas válidas seja cumprido.
Se a ICE for bem-sucedida, o tema será obrigatoriamente debatido no Parlamento Europeu, com possibilidade de originar propostas legislativas que defendam o acesso contínuo aos jogos digitais adquiridos legalmente.
Pressão crescente também no Reino Unido
Paralelamente, uma petição semelhante foi criada no Reino Unido e já ultrapassou as 100 mil assinaturas necessárias para que o tema seja discutido no parlamento britânico. Contudo, o governo do Reino Unido já indicou que não pretende avançar com legislação específica, considerando que a atual legislação de defesa do consumidor é suficiente para lidar com estas situações.
A resposta não agradou aos organizadores da campanha, que argumentam que o problema exige uma abordagem mais concreta, sobretudo numa era em que a maioria dos jogos depende fortemente de serviços online.
Comunidade gamer reage
A proposta tem gerado intenso debate entre jogadores, criadores de conteúdo e profissionais do setor. Muitos apoiam a criação de soluções que garantam o acesso aos jogos mesmo após o fim do suporte oficial, como modos offline, servidores privados ou libertação de código para preservação.
Por outro lado, surgem também críticas. Algumas vozes alertam para os desafios legais e técnicos de manter jogos operacionais indefinidamente. Estão em causa direitos de propriedade intelectual, custos associados à manutenção de infraestruturas e responsabilidades com conteúdos licenciados por terceiros.
A posição da indústria
As associações que representam os estúdios e editoras de videojogos têm defendido que a decisão de encerrar um jogo envolve múltiplos fatores, incluindo segurança, conformidade legal, custos operacionais e evoluções tecnológicas. Argumentam que impor a obrigatoriedade de manter jogos ativos poderia comprometer a inovação e a sustentabilidade de muitos projetos, em especial os que operam com modelos de negócio baseados em serviços contínuos.
Ainda assim, a indústria tem investido em iniciativas de preservação cultural e histórica dos videojogos, colaborando com museus e instituições académicas. Porém, essas iniciativas não resolvem o problema imediato de consumidores que perdem acesso aos seus jogos pagos.
E agora?
Com o crescimento exponencial da campanha Stop Killing Games, os próximos passos serão cruciais:
- Validação das assinaturas: As autoridades europeias vão verificar se o número mínimo de assinaturas válidas foi atingido.
- Apresentação ao Parlamento Europeu: Caso o objetivo seja alcançado, os promotores terão direito a apresentar a proposta numa sessão pública.
- Discussão sobre nova legislação: A pressão poderá levar à criação de leis que obriguem os estúdios a manter funcionalidades mínimas nos jogos, mesmo após o fim do suporte oficial.
- Mobilização contínua: Mesmo que não resulte numa nova lei imediata, o movimento já conseguiu trazer o tema para o centro do debate político e tecnológico.
Porque é que este tema interessa à comunidade tecnológica?
Este debate vai além do universo dos videojogos. É uma questão de propriedade digital, com implicações diretas na forma como produtos e serviços digitais são concebidos, vendidos e mantidos. Para profissionais de tecnologia, levanta desafios importantes sobre arquitetura de sistemas, interoperabilidade, compatibilidade futura e direitos dos utilizadores.
O modelo atual de software como serviço (SaaS), utilizado em áreas como produtividade, streaming ou plataformas de desenvolvimento, também pode ser afetado por movimentos semelhantes. Afinal, a questão de fundo é a mesma: o que acontece aos nossos dados, produtos ou ferramentas quando o fornecedor decide terminar o serviço?
A campanha Stop Killing Games é o reflexo de uma mudança de mentalidade entre consumidores e entusiastas de tecnologia. Num mundo cada vez mais digital, onde as fronteiras entre posse e subscrição estão cada vez mais difusas, cresce a exigência de transparência, responsabilidade e respeito pelo investimento dos utilizadores.
Ao atingir 1 milhão de assinaturas, este movimento não apenas denuncia práticas controversas, como abre caminho para uma reflexão mais ampla sobre os direitos digitais e o futuro da preservação tecnológica.
A grande questão agora é: será que a Europa vai ouvir?
Fonte: Aberto até de Madrugada