A discussão sobre soberania digital tem ganho força nos últimos anos, sobretudo num contexto global marcado por tensões geopolíticas, avanços tecnológicos acelerados e uma crescente dependência de serviços digitais críticos. No entanto, continua a existir a perceção errada de que soberania é sinónimo de possuir fisicamente centros de dados ou servidores dentro das fronteiras nacionais.
Infraestrutura local não garante autonomia
A ideia de que ter data centers ou hardware instalado no país assegura independência tecnológica é tentadora, mas pouco realista. Grande parte da tecnologia utilizada nesses centros (processadores, routers, sistemas operativos e até modelos de IA) é desenvolvida no exterior. Mesmo quando os dados residem fisicamente no território nacional, a cadeia tecnológica continua profundamente globalizada.
Perseguir uma autossuficiência total exigiria recusar hardware e software estrangeiros. Para além de impraticável, esta abordagem isolacionista comprometeria competitividade, inovação e acesso a avanços tecnológicos essenciais, penalizando empresas e serviços públicos.
O centro da soberania está nos dados e no software
A soberania digital eficaz não assenta em muros físicos, mas na capacidade de controlar dados críticos, aplicações essenciais e fluxos de informação. É aqui que reside o verdadeiro valor estratégico.
Dados de alta sensibilidade (como saúde, segurança nacional ou registos públicos) devem ser protegidos por normas rígidas de soberania. Isto pode incluir cloud soberana, infraestrutura local certificada e equipas autorizadas.
Por outro lado, dados de baixa sensibilidade e aplicações operacionais podem tirar partido da cloud pública, desde que existam garantias de segurança, conformidade e transparência. O equilíbrio entre risco, eficiência e inovação é o que diferencia uma abordagem pragmática de uma abordagem puramente ideológica.
Normas internacionais criam escala e competitividade
Um dos erros comuns é tentar criar regulamentações isoladas, únicas para cada país. Embora possam transmitir uma sensação de controlo, estas regras acabam frequentemente por gerar complexidade, aumentar custos e afastar fornecedores.
Ao adotar normas internacionais reconhecidas — como ISO/IEC para cibersegurança, privacidade e gestão de riscos — governos e empresas ganham acesso a soluções interoperáveis e competitivas. Este alinhamento facilita a adoção de cloud soberana à escala europeia, promove eficiência e reduz dependências desnecessárias.
Talento e inovação: os pilares da autonomia futura
Soberania não é apenas tecnologia; é também talento. Investir em equipas locais especializadas em cloud, IA, segurança e engenharia de software é tão importante quanto a infraestrutura. Uma estratégia de soberania digital sustentável obriga a reforçar competências, apoiar investigação e criar condições para que empresas tecnológicas prosperem no ecossistema local.
Sem esta base humana e científica, qualquer esforço de autonomia tecnológica será superficial.
Soberania como estratégia prática, não utopia
A soberania digital deve ser encarada como uma estratégia orientada a resultados concretos: proteger dados críticos, garantir autonomia operacional, adotar tecnologias seguras e cultivar talento. Não se trata de erguer barreiras, mas de construir modelos resilientes, escaláveis e preparados para o futuro.
Fonte: Executive Digest
