A inteligência artificial (IA) está a transformar profundamente a forma como os portugueses trabalham, estudam e se divertem. Um estudo global realizado pela KPMG, em colaboração com a Universidade de Melbourne, revela que a esmagadora maioria dos profissionais utiliza ferramentas de IA no seu quotidiano - muitas delas gratuitas e acessíveis. Mas será que todos estão a fazer uma utilização consciente e segura destas tecnologias?
Neste artigo, mergulhamos nos dados mais relevantes do estudo e refletimos sobre os riscos, as oportunidades e as boas práticas para integrar a IA de forma responsável no ambiente profissional.
Utilização generalizada… mas com pouco controlo
De acordo com o estudo, 70% dos profissionais portugueses utilizam IA no contexto laboral. Este número acompanha a tendência global (73%) e demonstra como estas ferramentas se tornaram parte integrante da produtividade no trabalho.
O uso da IA estende-se também a outras áreas: 93% dos inquiridos dizem usá-la para fins de estudo e 79% para fins pessoais. O acesso facilitado, o potencial de automação e a possibilidade de gerar conteúdos e análises rapidamente explicam esta adesão massiva.
Ferramentas gratuitas são as preferidas
A maioria dos utilizadores opta por ferramentas de IA gratuitas e acessíveis, como assistentes de texto, geradores de imagens ou tradutores automáticos.
Em números:
- 83% usam ferramentas públicas e gratuitas;
- 29% utilizam soluções disponibilizadas pelos empregadores;
- Apenas 8% recorrem a versões pagas.
Embora práticas, estas soluções levantam questões de segurança e privacidade, sobretudo quando utilizadas em contextos profissionais, onde os dados envolvidos podem ser sensíveis ou confidenciais.
Falta de políticas internas agrava os riscos
Apesar do uso generalizado, apenas 22% das empresas portuguesas possuem uma política interna definida sobre o uso de IA: 18% com orientações e 4% com proibição expressa.
A ausência de diretrizes claras aumenta a margem para erros, má utilização e exposição a riscos legais ou reputacionais. O estudo alerta também para a fraca literacia digital e a falta de pensamento crítico no uso destas tecnologias.
Falhas na verificação da informação
Um dos dados mais preocupantes do estudo é que 43% dos profissionais admitem verificar raramente a informação gerada pela IA antes de a utilizar. Outros 3% dizem nunca o fazer.
Ou seja, quase metade dos utilizadores confia cegamente nos resultados, sem validação adicional. Apenas 54% afirma fazer essa verificação com regularidade.
Num cenário onde erros podem ter consequências sérias - como decisões mal informadas ou comunicação incorreta - esta falta de cuidado representa um risco relevante para as organizações.
Reflexão ética e pensamento crítico ainda escassos
O estudo demonstra também que:
- Apenas 45% dizem utilizar IA de forma crítica no trabalho;
- 51% refletem sobre riscos e oportunidades antes de usar estas ferramentas;
- 56% afirmam que raramente consideram as implicações éticas da sua utilização.
Estes números sugerem uma adoção acelerada mas ainda pouco refletida. É essencial fomentar a capacidade de avaliar o impacto ético, legal e técnico da IA - não apenas do ponto de vista pessoal, mas também organizacional.
Dados sensíveis em risco
Uma das maiores preocupações para as empresas é a proteção de dados.
O estudo mostra que:
- 29% dos inquiridos reconhecem que o uso generalizado de IA pode aumentar o risco organizacional, sobretudo no cumprimento de políticas internas;
- 19% admitem ter introduzido dados sensíveis da empresa (como vendas, dados financeiros ou de clientes) em ferramentas públicas de IA.
Isto levanta sérias questões sobre a conformidade com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) e a necessidade de políticas mais rígidas quanto ao tratamento de informação em plataformas externas.
Vantagens reais quando bem usada
Apesar dos riscos, o impacto positivo da IA também é evidente:
- 56% dos profissionais sentem que se tornaram mais eficientes;
- 52% destacam melhorias na inovação;
- 49% consideram que a IA facilitou o acesso a informação mais precisa;
- 45% referem uma redução da carga de trabalho;
- 42% sentem menos stress.
Estes dados reforçam a ideia de que, usada de forma crítica e segura, a IA pode ser uma aliada poderosa na transformação do ambiente de trabalho.
A IA deve complementar, não substituir
A recomendação dos especialistas é clara: a IA deve servir para reforçar o conhecimento humano, não para o substituir.
Para isso, as empresas devem:
- Investir em formação e literacia digital;
- Promover o uso responsável e crítico destas ferramentas;
- Estabelecer regras e limites para a sua utilização no contexto profissional;
- Implementar modelos de governance adaptados às novas realidades tecnológicas.
Decisões humanas com apoio inteligente
Uma tendência interessante: 82% dos inquiridos concordam que a IA pode ser integrada nos processos de decisão empresarial - desde que a decisão final continue a caber ao ser humano.
Esta visão híbrida é essencial para manter o equilíbrio entre eficiência, responsabilidade e bom senso. A IA pode apoiar, mas a responsabilidade última deve continuar a ser humana.
Caminho para uma IA mais consciente
A transformação digital impulsionada pela IA é inevitável e, em muitos casos, benéfica. No entanto, esta evolução precisa de ser acompanhada por uma mudança cultural, que valorize a reflexão crítica, a proteção de dados e a tomada de decisão informada.
Deixar a IA operar sem supervisão é um risco - mas ignorar o seu potencial também o é. O caminho passa por capacitar os utilizadores, definir políticas claras e manter a supervisão humana sempre que a tecnologia for aplicada a contextos críticos.
A utilização da inteligência artificial em Portugal está a crescer rapidamente, tanto no trabalho como em outras áreas da vida. Mas essa adoção nem sempre é acompanhada por práticas seguras ou políticas claras.
Com quase metade dos profissionais a confiar em resultados não verificados, e com dados sensíveis a circular em plataformas gratuitas, as empresas enfrentam um novo conjunto de desafios. Para aproveitar os benefícios da IA sem comprometer a segurança ou a ética, é essencial promover o pensamento crítico, formar os colaboradores e definir orientações claras.
Num mundo onde a tecnologia evolui a um ritmo acelerado, o fator humano continua a ser a principal chave para uma utilização inteligente da inteligência artificial.
Fonte: Sabado