Num cenário cada vez mais digital, onde o software é a base das operações de negócio e a inteligência artificial começa a moldar processos, a maioria das empresas na região EMEA (Europa, Médio Oriente e África) continua sem capacidade para assegurar qualidade no desenvolvimento de software em larga escala. Segundo um estudo recente da IDC, apenas 8% das organizações afirmam ter atingido maturidade suficiente nesse domínio.
Este dado levanta uma questão essencial: como é que tantas empresas continuam a operar com modelos desajustados às exigências atuais?
O software é o motor, mas falta alinhamento interno
O estudo da IDC, realizado em colaboração com a consultora Noesis, envolveu mais de 700 empresas da região EMEA. As conclusões são preocupantes. Um terço das organizações sente-se atrasado na adoção de práticas modernas de engenharia de software. Entre os principais obstáculos estão a dívida técnica acumulada, a falta de recursos qualificados e ciclos de desenvolvimento demasiado longos.
Mais de metade das empresas inquiridas demoram até três semanas para implementar alterações simples, e apenas cerca de um terço do tempo das equipas de desenvolvimento é dedicado à criação de novas funcionalidades. O restante é consumido em manutenção, testes e integração de ferramentas. Este bloqueio estrutural afeta diretamente a capacidade de inovar e de responder às exigências do mercado.
Casos de sucesso existem, mas são exceções
Apesar do panorama geral, existem exemplos positivos de organizações que conseguiram inverter a tendência. A Canon Europe, por exemplo, investiu na consolidação do seu ecossistema de aplicações e na criação de uma estrutura de gestão de qualidade que reduziu significativamente a sua dívida técnica. Mais do que uma melhoria tecnológica, tratou-se de uma transformação cultural.
Em Portugal, uma instituição financeira de referência adotou práticas de platform engineering, criando uma infraestrutura tecnológica modular que permitiu reduzir riscos, aumentar a previsibilidade e acelerar as entregas. Estes exemplos demonstram que é possível atingir níveis elevados de qualidade e eficiência, desde que haja visão estratégica e investimento sustentado.
Ainda assim, continuam a ser exceções. O estudo revela que apenas 9% das empresas possuem capacidades integradas de engenharia de aplicações, o que significa que muitas continuam a trabalhar em silos, com equipas e ferramentas pouco articuladas entre si.
Três alavancas para atingir maturidade tecnológica
A IDC identifica três pilares fundamentais para acelerar a maturidade no desenvolvimento de software:
- DevOps e integração contínua – A eliminação de barreiras entre desenvolvimento e operações é essencial para aumentar a agilidade e reduzir erros.
- Automação – A criação de pipelines automatizados melhora a eficiência, acelera entregas e reduz o retrabalho.
- Platform engineering – A construção de plataformas tecnológicas robustas e reutilizáveis garante escalabilidade, consistência e segurança em todas as fases do desenvolvimento.
Apesar da crescente adesão a estes princípios, a realidade mostra que ainda há um longo caminho a percorrer. Mais de 60% das empresas revelam níveis baixos de automação nos seus pipelines, e menos de 40% adotam práticas de continuous delivery de forma sistemática.
Este défice tem consequências diretas: ciclos de entrega mais longos, mais erros em produção, menor capacidade de adaptação e maior dificuldade em atrair talento.
A inteligência artificial como acelerador de qualidade
A introdução de inteligência artificial generativa nas práticas de desenvolvimento surge como uma oportunidade para acelerar este processo. Muitas empresas já estão a explorar o uso da IA para automatizar testes, gerar documentação técnica, sugerir melhorias de código ou apoiar processos de modernização.
A IA pode ajudar a incorporar qualidade de forma nativa no ciclo de desenvolvimento, reduzindo o tempo de testes, identificando anomalias e libertando as equipas para tarefas de maior valor. Mas, para que o seu impacto seja significativo, tem de ser acompanhada por uma mudança de mindset e por uma arquitetura técnica capaz de integrar esta tecnologia de forma estruturada.
A adoção da IA, por si só, não resolve os problemas de base. É necessária uma estratégia coordenada entre áreas de desenvolvimento, operações e segurança.
Metas para 2025: onde devem as empresas focar-se?
O relatório da IDC apresenta cinco prioridades para as empresas que pretendem evoluir na gestão de qualidade de software:
- Integração e modernização das ferramentas DevOps
- Gestão inteligente de releases e versões
- Observabilidade e monitorização contínua
- Segurança embutida desde o início (shift-left security)
- Automação de testes ponta-a-ponta
Estas práticas devem estar integradas numa estratégia global orientada para resultados: entregas mais rápidas, melhor controlo de qualidade e maior capacidade de resposta às exigências do negócio.
Qualidade: de vantagem competitiva a imperativo estratégico
Durante muito tempo, a qualidade de software foi vista como uma vantagem competitiva. Hoje, é um requisito mínimo para sobreviver num mercado altamente competitivo, onde a agilidade, a fiabilidade e a inovação são fatores determinantes.
As empresas que continuam a trabalhar com infraestruturas fragmentadas, processos manuais e equipas isoladas estão a perder terreno face a concorrentes mais ágeis, que adotam metodologias modernas e investem em plataformas e automação.
A pergunta que se coloca já não é “se” é necessário mudar, mas sim “quando” e “com que urgência”.
Próximos passos: o que fazer agora?
Para as organizações que pretendem iniciar ou acelerar este caminho, aqui ficam algumas recomendações práticas:
- Avaliar o nível atual de maturidade tecnológica e organizacional.
- Investir em DevOps e CI/CD, com foco em automação e entrega contínua.
- Implementar uma abordagem de platform engineering para garantir escalabilidade e consistência.
- Explorar a integração de IA nos testes e na documentação.
- Promover uma cultura de qualidade transversal, envolvendo todos os stakeholders, desde a liderança até às equipas técnicas.
Apenas 8% das empresas da EMEA estão preparadas para assegurar qualidade de software em escala, apesar da crescente digitalização e do foco na inovação. A maioria continua a enfrentar entraves técnicos, falta de automação e dificuldades na colaboração entre equipas.
A boa notícia é que já existem práticas consolidadas, ferramentas acessíveis e casos de sucesso que podem servir de inspiração. O desafio está em transformar essa inspiração em ação concreta.
Qualidade de software já não é um luxo. É uma condição essencial para competir, inovar e crescer de forma sustentável num mundo cada vez mais digital.
Fonte: Sapo